Manter a memória em forma é como exercitar um músculo

Vinicius de Araujo
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Tratar bem o cérebro, mantê-lo ativo, dar-lhe descanso quando necessário. Não ignorar a alimentação e o exercício físico. Todos os estímulos são bons para a cabeça.

Está tudo na cabeça e é tanta coisa que não se quer perder: sentimentos, acontecimentos, imagens, ideias, recordações de momentos felizes. Há muitas razões para tratar bem essa capacidade mental de armazenar e recuperar informações. Como manter a memória em forma? Há cuidados a ter, fatores a considerar, sinais a interpretar.

É preciso tratar bem o cérebro, o órgão onde tudo acontece. Não é um armazém qualquer, é um depósito especial, da máxima importância. “A memória é um dos processos cognitivos que as pessoas mais reconhecem e valorizam. Nela estão depositadas as informações sobre quem nós somos, o que fazemos, as pessoas que nos são importantes, e a informação necessária para levar a bom porto as tarefas do dia a dia”, enquadra Rui Araújo, médico especialista em neurologia, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia, professor auxiliar na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

Maria Moreno, médica psiquiatra, compara o cérebro a um músculo. Para estar bem, é preciso exercitá-lo, mantê-lo ativo. “Ler livros, resolver quebra-cabeças e palavras cruzadas, aprender novas línguas, aprender a tocar um novo instrumento musical ou simplesmente aprender algo novo. Até mesmo conversar com amigos é uma ótima maneira de exercitar a mente e mantê-la afiada”, aconselha. Estas atividades, sublinha, ajudam a fortalecer as conexões neurais e a manter o cérebro ágil, desperto, não adormecido.

Para que a memória não perca as suas capacidades, elasticidade, poder de retenção, não se pode facilitar, segundo Rui Araújo. Quanto maior recetividade a aprendizagens ao longo da vida, maior reserva cognitiva, maior proteção de danos. “Manter uma atividade social frequente, encontrar-se com pessoas, amigos e familiares, ter projetos futuros e objetivos, tudo isso protege contra a deterioração cognitiva. Importa tentar casar o esforço físico e intelectual, com atividades que sejam prazerosas e geradoras de contacto humano”, realça o neurologista. O que arrebita os neurónios é bem-vindo.

Há, no entanto, casos e casos, mais ou menos memória. “Nas pessoas que têm menor estímulo social, por exemplo, por estarem sozinhas ou com pouca rede ou suporte familiar, em consulta habitualmente sugiro pelo menos que se mantenham atentas em relação ao tempo (que dia é hoje, o mês em que estamos, quais são os principais eventos das notícias, quer políticos ou sociais), como forma de estarem melhor orientadas para a realidade. Ler ‘as gordas’ dos jornais já é uma boa ajuda”, adianta Rui Araújo. Em algumas situações, depois de observar e avaliar, os especialistas indicam exercícios de estimulação cognitiva, um treino mais orientado para o cérebro, uma terapia mais específica. “A realização de palavras cruzadas ou sudokus também pode funcionar como algum estímulo cerebral, mas não recomendo a sua realização obsessiva por pessoas jovens ou que estão bem do ponto de vista cognitivo, e que têm sobretudo receio de vir a desenvolver demência”, avisa o neurologista. Não é preciso exagerar, portanto.

Seja como for, manter a memória em forma é importante em todas as idades e é essencial prevenir o declínio cognitivo com o avançar da idade. Esta é, de facto, uma questão. O passar dos anos pesa, a idade é um fator de risco para o desenvolvimento de doenças que afetam a memória, como as demências.

A idade interfere com a memória sobretudo de duas formas. Pelas patologias que aparecem e pela lentidão a vários níveis, seja na capacidade de concentração e atenção, seja na velocidade de raciocínio e discurso, seja nos pequenos lapsos do dia a dia, habitualmente sem relevância no funcionamento normal da pessoa.

“O ritmo de envelhecimento do cérebro e do corpo pode variar bastante de pessoa para pessoa e depende de vários fatores, incluindo o estilo de vida, a nossa genética e a saúde em geral”, salienta Maria Moreno. “Continuar a aprender, manter a mente ativa e ter um estilo de vida saudável são a chave para uma boa memória, independentemente da idade”, acrescenta a psiquiatra.

Alimentos frescos, boa saúde cerebral

Nem tudo se passa no cérebro, nem tudo é somente neuronal. A alimentação e o exercício físico têm um papel importante na boa forma da memória. Está mais do que estudado e confirmado. Rui Araújo chama a atenção para estes pontos. “Uma alimentação adequada, de perfil mediterrâneo, com produtos frescos e pouco processados, com predominância de legumes, é fundamental para a boa saúde cerebral.” Tal como o exercício físico para evitar o sedentarismo e as doenças associadas a não mexer o corpo, como a hipertensão, a diabetes, a obesidade, fatores de risco para o desenvolvimento de doenças do cérebro.

“Têm sido publicados estudos muito recentes e muito interessantes sobre a possibilidade de recuperar certas funções cerebrais através do exercício físico, sobretudo na área da doença de Parkinson. O exercício é um dos eixos fundamentais para a boa saúde cerebral, e aquele que mais vezes é negligenciado, por pessoas jovens e pelas mais velhas”, revela o neurologista.
Exercício de forma regular, duas a três vezes por semana, é bom para o corpo e para a memória. Maria Moreno concorda até porque tudo o que envolve cuidar o corpo tem um impacto positivo no cérebro. “Comer alimentos saudáveis e fazer exercício regularmente mantém o cérebro saudável”, refere a psiquiatra.

Em tempos de lazer e de férias, após uma semana intensa ou um ano de trabalho, a memória precisa de exercício ou de descanso? Uma coisa não invalida a outra, na verdade. O cérebro está sempre a carburar e a memória também, em qualquer circunstância. “Por irmos de férias ou estarmos em período de lazer, o cérebro continua a funcionar”, garante Rui Araújo. “Esta dúvida acontece porque habitualmente existe a associação entre esforço cognitivo excessivo e fadiga mental e ‘uma memória ativa’, o que não é o caso”, explica.

Estar de férias não significa parar mentalmente. Nem convém que assim seja porque há muito para absorver, reter, e mais tarde recordar. Maria Moreno dá várias dicas. “Nas férias, podemos exercitar a memória de forma divertida. Viajar, conhecer novos lugares, aprender algo novo, tudo isto é ótimo para o cérebro.” Organizar uma ida à praia é divertido e um excelente exercício cognitivo, diz Rui Araújo. “Basta experimentar ir com filhos pequenos ou netos.”

A memória é parte de vários processos cerebrais, todos eles são importantes para o bom funcionamento das pessoas. “Em altura de férias, não é ‘necessário’ estar a ‘estimular’ mais o cérebro, quer através de leituras que não dão prazer ou de exercícios cognitivos fúteis, basta desempenhar outras atividades, idealmente com outras pessoas, ter novas experiências, ler um livro do seu autor favorito, ir ao cinema ou ao teatro”, sugere o neurologista.

Também é importante relaxar, fazer pausas, cuidar do sono. “Não podemos adiar cuidados que devem ser diários para as férias”, alerta Maria Moreno.
Rui Araújo lembra que descansar e relaxar fazem parte do treino mental, como facilmente reconhecerá qualquer atleta de alta competição. O mesmo se aplica à memória e ao cérebro, que precisam de descanso. “É essencial no dia a dia alterarmos período de atividade e períodos de descanso para permitir ao nosso cérebro processar e armazenar tudo o que aprendemos durante o dia, recarregar as energias e promover a reparação dos tecidos danificados”, observa o neurologista. Dormir bem é essencial para que a memória funcione e se mantenha em forma. Ao longo do tempo. Ao longo da vida.

Fonte: Notícias Magazine

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